O cheiro
de desinfetante de eucalipto quando chega na boca tem gosto de esmalte. E o
colégio estava com gosto de esmalte. Procurei a sala de aula e notei os
corredores vazios e o brilho dos azulejos. Era uma ficção científica? Estávamos
em algum internato? Na verdade eu procurei o barulho, a correria, as pessoas em
seus mais diversos grupos e não achei.
“O que
está acontecendo aqui?”, perguntei. O eco que descia a rampa me respondeu “Ah,
você não sabe não? O MEC veio visitar a escola e tá tudo arrumado da noite pro
dia.”. “E o que vocês estão fazendo com esse cartaz?”, segui o rastro do furor
nos olhos da menina que me respondia: eles estão no auditório agora. Vamos falar como são as coisas por aqui. Eu tinha chegado às 8h.
“A
gente quer pegar o microfone pra falar que hoje é o dia da mentira municipal”,
começou outra colega. “O dia da mentira. Por que, vocês pensam que esse colégio
é sempre assim?”. Enquanto ela relatava os banheiros sujos e trancados, os
corredores mais sujos ainda eu via os rostos das pessoas espalhadas nas manhãs
até as 7.15h. No meio de papéis pelo chão, murais soltos, os banheiros
trancados, bebedouros enferrujados. Era uma denúncia. E o que eu fazia no meio daquilo tudo? Eu
estava sendo denunciado também.
Fiquei
acuado com meu rabo preso na primeira fila.
As
meninas saíram pra conversar com a supervisora, mas eu estava com os olhos
escondidos. Acuado. Quando a diretora pegou o microfone foi como se a sinaleira
de incêndio disparasse dentro dos meus ouvidos. Corre para
chamar as bombeiras. Todas elas estavam em reunião. Fui em direção
ao foco do incêndio, no mento da fala “eles estão sendo impulsionados por
outras pessoas da administração”. Não sabia
de quem ela estava falando. Ela estava falando de mim. O que ela disse, entrou
nos meus ouvidos como “não acredite nas crianças, elas não sabem o que dizem”.
Ateou fogo
em mim.
Cheguei
até o auditório sem saber o que fazer. Eu precisava estar lá. Alguém precisava manter
nossa presença no auditório. O auditório: um bosque de cadeiras azuis com cinco
ou seis gatos pingados. E eu, um rato pegando fogo com o rabo preso.
- A
professora diz que somos influenciados por alguém, por que, para ela os
estudantes não são capazes de pensar sozinhos. Minhas colegas vieram aqui falar
da hipocrisia em nossa escola. Mas, como melhorar o ensino se a diretora não
aceita que estudantes possam pensar por si próprios?
No exato
momento as palavras enchiam minha boca. A diretora virou uma ilha, sua carta de
demissão viria uma semana depois. E nós mantivemos o prédio em chamas.