domingo, 14 de outubro de 2012

Mais fôlego




Nuvens de Almodóvar. Passamos a noite inteira verificando os formatos que as nuvens poderiam ter. Seja pelo ângulo vazado, seja pelo ângulo preenchido. Eu estava inerte naquele transe mágico. Vi fadas. Vi grandes círculos no céu. E também vi o que só você poderia mostrar. A madrugada tinha sido gentil. Mas a qualquer momento o dia poderia raiar. Você me chamando pra ir dá um rolé foi um susto. Âncora no mar: desci do mundo das nuvens e seus formatos. “Fazer o quê?” “Ah, dá um role, mermão!”. Achei que fosse cilada. Recusei.

As noites passavam e você cada vez mais insistia no mundo das nuvens. Chega no meu trabalho na hora que eu encerrava expediente. Me oferecia uma pizza e um gole de sua bebida. “Estou no meu horário de trabalho”, o tacanho respondia. “Man!” era o nome que ele me chamava e que até hoje ouço olhando as nuvens. “Mas me diga uma coisa, você me chama de ‘man’ por que você gosta ou porquê você não sabe meu nome?” . “É man, agora você me pegou.” Respondeu o internacionalizado.

- O que são essas conversas que você insiste em ter comigo? Perguntei.

- Papo de homem. Ele respondeu.

O dia em que resolvi fazer uma massagem nele. Acordei com aquele corpo deitado – estirado – sobre a cama de solteiro ao lado. Nem calor, nem frio. “É a única coisa necessária a se fazer”, pensei. Achei os nós de tua coluna. Os pontos de ombro. As conexões de teu corpo. A firmeza da perna. As fissuras do teu rosto.

Uma hora inteira sobre cada ponto de teu corpo. Repentina saída do café da manhã:

- Massagem digna de Oscar. Ele disse enquanto eu pensava: será se foi um filme de ficção científica?

- Agora você pode dizer que teve uma madrugada excelente com outro man, Man. Respondi.

- Vamo dá um rolé?

- Pra onde? Retruquei.

- Pela cidade, Man.

Nada de nuvens nessa madrugada. Apenas suco de laranja e dois mistos quentes, por favor. Fui para o camping. Nos vimos novamente no final da tarde. Antes das seis, que era o início de meu expediente. Não foi para almoçar e lavar os pratos e me matar de vexame como da última vez. Botou esse: mas será que elas não se pegam nem sequer de brincadeira? Preferia as conversas das nuvens. E que tomássemos seus formatos. E que falassem “man” aos pés dos meus ouvidos como eu fiz contigo. No dia em que resolvi fazer uma massagem em você.

Mas não terminaremos sem uma aventura precipitada com risco de morte. O pôr do sol na Ponta de Mutá. Pôr do sol com maré baixa. A ideia de partir para o outro lado foi sua, sem contar que a maré poderia subir. Jogamos areia uns nos outros. Disputamos quem saberia nadar no mais profundo. Quem tinha mais fôlego. E voltamos com a maré cheia.

Foi uma sensação de bêbado. O mundo rodando devagar. As coisas não estavam acontecendo e não havia nenhum perigo. Minha amiga não estava se afogando. Você cruzou pelo outro lado – onde a correnteza se dissolve – e estendeu sua mão. Não foi para mim. Mas eu também sabia nadar. Minha vida não esteve em risco, murmuro. E você ficou dois dias a mais do que tinha planejado.

A partir de súplicas, beijos e abraços. Dormimos pela segunda vez juntos. E dessa vez foi um desastre. Vodka com red bull nos nossos copos. Era uma banda com integrantes da Frejat que tocou Tim Maia. “Vou morrer de saudades”, olhávamos sem graça uns para os outros. Te avisamos que estávamos partindo e você disse que logo chegaria. Esbarrei em todos os cômodos até achar a chave no escuro. Carreguei bêbadas para sua cama de solteiro. Cuidei, até, para que não engasgasse no vômito.

Você chegou para fazer alguém gemer.

E eu ouvi tudo.

Acordamos na resenha, fizemos um almoço. Fui para o trabalho. No dia em que você foi embora, eu pensei: vou morrer de saudades. Me conquistou. Achei que o amor fosse possível como fadas em nuvens.