quinta-feira, 3 de março de 2011

Desenho rupestre em letras garrafais


De longe, Astolfo poderia retirar a paciência de qualquer um. Ele parecia uma velha coruja com ares de águia. Olhando bem para os falantes, mesmo os menos apreensivos, eram contagiados por sua expectativa. Era algo como um falso conforto. Uma angustia petulante, que fazia deste homem o inverso do que ele planejava. Bola de pedra. Quanto mais se concentrava nas palavras alheias, como que prestando mesmo atenção, ele colocava outras cem em suas mentes. Todas pequenas indagações. Afora o “de onde nós viemos?” “para onde nós iremos?” “quem nós somos?”, ele fazia suscitar outras de tamanha importância: há algo de errado na minha blusa? Falei merda? O que ele está olhando?

Eram olhos argutos, sábios de procurar uma falha. Ninguém escapava das ponderações de Astolfo.

Talvez aqueles que diziam, sentado atrás de uma mesa, o conhecessem bem. Levassem consigo a mescla de prepotência com a mais sincera humildade que emanavam daqueles olhos castanhos escuros, seguidos de uma mão no queixo sem barba. Pire aí, um palhaço olhando seriamente para dentro da platéia. Sem graça, sem piada, mas com um cerco encantado que lhes inspiraria descontentamento. Era isso, um palhaço sóbrio, rústico e cheio de certezas a respeito do mundo.

Ele, ali sentado, com cara de palhaço sem piadas, denunciava suas verdades.

O destino de Astolfo parecia ser a busca das palavras. Ele cambaleava nos movimentos dos enunciadores. Buscava cada letra formadora. Poderia prevê a sentença vindoura. Não seria surpresa se conhecesse o texto melhor que os leitores. Todavia, eles estavam escondidos atrás páginas. Sentiam o cheiro, de relance viam, e tinham consciência da presença dele. Aqueles olhos bem treinados e cheios de poesia.

Mesmo ali sentado, ouvinte, o palhaço não estava fazendo sua folia. Estava ensinando suas técnicas, seus modelos, sem mencionar. O palhaço não falava ao público, apenas os exprimia, como que do silêncio se aprendesse a manifestar a poesia. A inanição do nascer de uma rosa bordada no ombro do artista.

A cadeira qual ele estava sentado não se conformava. Astolfo se mexia, trocava o cruzamento das pernas, se apoiava em um braço, depois em outro, se remexia como uma minhoca debaixo do solo. Fertilizando e fazendo respirar aquilo que nem todos viam, ou só percebiam o produto. E era um vai-e-vem transparente para qualquer que olhasse mais afundo.

O que Astolfo pensava? Queria ele que tudo saísse perfeito? Ou Astolfo apenas se importava com o incômodo pelo que outrem passava? A esfera, as paredes poderiam afirmar, não era tensa. Astolfo já deveria ter absorvido tudo para si. Com seus sorrisos de mascar tristeza, ou suas piadas de sodomizar a aflição. A poltrona já se suspeitava que ele estava a lhe paquerar. Astolfo não parava de bater seus dedos no braço dela.

Mas ele se manteve sentado... os de vistas sóbrias diriam. A poltrona, certamente, queria entrar na mente de seu irrequieto usuário. Descobrir o que lhe incomodava, ali, distante, naquele lugar que ela mesma achava um pouco desprestigiado. O sol não chegaria, mas o vento também era fraco. Quem sabe ele estivesse sofrendo por causa do calor. E revira-se como um cachorro na terra para aliviar-se.

Nem suas mãos estavam gélidas, ou seus pés frios. Era só o estralo dos dedos, ou o choque entre os dentes e a unha que fazia crer de sua impaciência. Não saiu de cima dela por um instante, nem para ir ao banheiro ou beber uma água. Qual grau de parentesco dele com Sansão? Deveria ser o não-primo distante de outra encarnação. Seu cabelo bem cortado e grisalho, seu corpo enxuído... Os nós de sua coluna deveriam ser por sua alocação nessa árvore genealogia. Tendo como semente, Sansão.

Um suspiro de ambos. A coluna de Astolfo agora estava relaxada sobre os apoios dela. O assentado tornou o lugar menos úmido. A poltrona se sentiu menos inútil, na relação que estava mantendo era o próprio adubo artificial. O vento começou a passar por ali. Grandes penas caíam sobre o chão. Assim como um bico, unhas... a poltrona havia mentido. Astolfo era uma águia com a perspicácia de uma coruja.

Não. Não somente. As palavras cessaram e o circo cujas lonas coloridas prendem esse pássaro não se desfizeram. Astolfo era ou estava do outro lado da graça. Como um jovem que velho está. Ele era um livro parido.