sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Pouco mais ou um pouco mais de um mês e um dia

A bela rosa era enfeite de uma noite que todos queriam brilhar. Até o final da cerimônia ainda estávamos sem dá-las qualquer importância. Apenas o adorno. Sim, bela rosa! Chegou o sono e ao caminho de casa minha mãe me passou. Era de comum às vistas vê-la passar de mãos em mãos. Mesmo sendo, quantas? Bela rosa. Devo ter te amado sem ter te percebido. Não sei a quem foi dada sua importância. Não sei se ela teve uma importância.

Até que o sono chegou, e as mãos de mães, passaram-na. Com o mesmo sorriso de aconchego que o seu, mesma doçura, leveza. Mesma mãe. Rosa-mãe que veio ao copo sem água e sem açúcar, então eu adocei o seu dia-a-dia como se podia.

Uma outra rosa ao lado despetalou.

Mas, fiz com ela o amor que faço com a vida. Todas as cinzas de meus cigarros em dois meses de presença. Toda vez que a olho passo a água que não sai do meu corpo, mas dá umidade dos meus poros, as gotículas expelidas diretamente do trabalho da bomba do meu peito.

Uma rosa outrora vermelha. Me viu chorar, me viu rir, me viu amar, me viu me entregar ao gosto da boca e de tudo. E se não for doce?

E se lhe for insosso? Cadê seus espinhos?

Essa rosa indefesa, sem seus espinhos.

Ficou ao meu julgo. E eu a fiz passar por tudo que pude absorver e lamber com minhas entranhas.

Foram-se cinzas, mais cinzas, cinzas que voam quando soltas da janela do primeiro andar. E as borboletas também caem, quando falecem. Suas pétalas deveriam também ir ao chão. Ao fundo do copo. Segurada por teias de aranhas-de-quarto, que devem ter-la feito um afeição e chicoteado. A rosa não me contou. Ele só me diz de sua cor, fazendo mimese das cinzas no fundo do copo. Inteira. Por mais que eu a alimente no recipiente aparentemente vazio.

Teria ela paladar para isso?

Beberia melhor do que?

Varias receitas eu poderia inventar para deixá-la vermelha como o sol. Ou por uma azul em seu lugar.

Sinto uma parte que as cinzas não preencheram, e que as aranhas esquentaram com seu resíduo. Deve ser a marca da mão. Pode ser o sorriso, a leveza, o amor. Algo que não se desmarca. Algo que gravou essa rosa naquele momento, naquele dia, por aquele dia. Acho que ela se deu toda, acho que ela fez parte, como ainda faz. Por isso ainda resistimos.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Arame Farpado

Cruzou os braços por detrás das costas dele. Cheirou seu pescoço e, mais uma vez, terminou com um beijo, rápido, apenas com lábios. Assim como se beija uma irmã.

- Então esse momento finalmente chegou. Nós sabíamos que chegaria. O que? Isso que está acontecendo... você é esperto, apenas finge que não sabe. Acho que todo mundo sempre sabe, a diferença é que algumas conseguem, tentam interferir. Então é isso. Depois de algumas semanas é o fim. A partir de amanhã, quando me ver na rua, não precisa mais sorrir. A partir de amanhã, quando for me cumprimentar, não olhe nos meus olhos, mas também, não vire a cara para mim. Te ligarei uma ou duas vezes no mês. Não vou gastar mais de três minutos. “Tudo bem com você?”, não será a minha pergunta. Não perceberás o tom sofrível de quem se guardou duas quinzenas para fazer-te uma pergunta sincera. Saber como está a sua mãe... se precisas que eu te indique algum livro... qualquer coisa que não demonstre o quanto você estará em tudo. Não pense no meu esforço, ou no meu sentimento. Não lembre das noites de amor, de sexo, jogue tudo fora, faça da memória como um cigarro.

Virou os olhos sem saber se algo faltava

- Não pense, nem cogite no que eu não lhe disse. Quantas vezes não te pedir pra ficar. Acredite, não há desculpas válidas para eu não ter dito que tudo ia muito além do sexo. O que eu precisava de você, não sabia se poderias me dar. E não podia te pedir.

Corpos quentes como se preparando para o momento do último encontro. Os corações gritavam. Ele tinha algo a dizer, mas não faria. Precisava ser lido, depois, fosse o que fosse. Se, o outro, corria os olhos sobre as linhas do seu corpo, e lhe dissesse o que seus ouvidos já cochichavam... finalmente ficaria grafado: amo-te.

sábado, 19 de junho de 2010

O salto do leão pelo círculo de fogo

Quando eu andava até aquela casa o único alívio era a realidade de não encontrar alguém. A realidade verdadeira, aquela que há todos os dias eu me submetia jamais fora feliz. Labutar não é impossível, na verdade, todos nós precisamos fabricar o nosso sustento.

A casa vazia. Era o grande espetáculo de minha vida. Divertia-me. Dialogava comigo mesmo, o único que me entende. Meus risos eram muito mais que a marca do bispo no tabuleiro. Quero acreditar que fossem risos-risos, sem mais. Quando me tomam sei que são o desprezo a toda sanidade vulgar. Sem maquiavelismo ou anacronismo.

As estruturas daquele lugar me lembravam os dentes abertos do dia-a-dia. A boca escancarada do emprego querendo me engolir fazendo-se degustado. Paredes mofadas e resistentes. Era algo que não me felicitava na minha solidão. O estar só fazia-me tão especial quanto um super-herói. Incômodo eram aquelas paredes, aquele cubículo.

Quando me aproximei de sua entrada meus passos seguiam leve. O trabalho pesava as minhas patas de animal que sonhava em voar. Um calor intenso, formas sem roupas, o olhar para mente se bipartia entre dentro e o dentro.

Não teve como não perceber aquele animal-inseto ali, no meio da sala. Passei ao meu quarto e ele correu para debaixo do fogão. Não estava preparado a enfrentar mais uma briga além das convencionadas.

-Chega! Deixe-me acá.

Quem disse que eu cheguei aqui primeiro? O injusto capeão era rígido quanto a essas formas de vida. O certo deveria ser feito. Minha cama quebrada soltou uma haste: não formulei pensamento algum: era esse o meu artifício. Quais eram as alegrias daquele ser em conviver comigo? Mais uma vez pintaria seu rosto. Daria-lhe ração. Pequenos pets-shop erguer-se-iam para seu tratamento delicado. No final, não bastaria sermos.

Não poderia apenas tange-lo? Não. Minha supremacia não era matemática. Nada disso eu sabia. Coloquei um banco plástico tão firme quanto minha crença na humanidade no centro da sala. A qualquer momento ele quebraria.

No centro. Todos os embates são nos centros. Esse espaço-comum de mim que eu fujo, rebusco, sai do ponto de cruzamento das linhas. Estava com a hombridade justificada. Subi no banco de plástico e me mantive acima assim como a raça prediz. Quando este animal-inseto apareceu não olhei bem os seus detalhes. Dei a primeira paulada. Deveria ser a única. Mas ele se moveu, se manteve resistente. Desci do banco de plástico, pois deveríamos estar de igual pra igual. Homem a inseto-animal.

Segunda paulada: posso vê-lo quase imóvel. Ainda há a possibilidade de estar com vida. Outra paulada. Dessa vez pra ver os miolos esbagaçarem. Vejo seus detalhes. Ali, naquela cozinha incomoda percebo seus detalhes. Cozinha-laboratorio-ensino-médio-norte-americano. Não tão fundo ou raso, fiz o necessário. A preta velha da porta havia falado: se não matar volta. E isso também pesa meus passos.

Naquele instante tão inconsciente, eu era o subordinado ao animal-inseto. Parece-me que ele voltaria se eu o mandasse para fora com uma bassoura ou com uma carta-oficio. Era um animal-inseto. Eu, um animal com telencefalo altamente desenvolvido e polegar opositor. Como me acomodaria agora? O emprego fora cansativo. A noção de exploração humilhante. Como descansar minha cabeça no trabesseiro?

Aparecia o inseto-animal anti-radioativo. Esse, sempre foi guichê o homem o desfazer de sua existência. Da prerrogativa de sua existência. Subitamente ele não se confunde com o boxe de meu banheiro. Eu sei de suas pernas finas, seu tamanho é fora do comum. Mas ele ainda é um inseto-animal. Uma barata. Não sei se o permito à vida. Melhor não. A borboleta preta entrou pela janela, ele entrou pelo ralo do banheiro, ainda assim estão em propriedade privada.

A sandália mais grossa é o instrumento de minhas pauletadas. Abro o boxer, sem medo. Sei o que um homem deve fazer. Não há raciocínio. Não há o que pensar. Bato com força. Com a força dos meus ancestrais. Sou um búfalo. Um perigoso bicho. O inseto-animal ainda escapa vivo. Considero, pelo meu saber cientifico que isso é atributo de sua casca dura.

Quem me ensinou a ficar nos primeiros passos. A engatinhar sempre. Hoje, se faz presente na risada que se diverte as minhas custas da preta velha, na minha capacidade multifuncional no trabalho, ele é o sapato mais pesado que eu uso e me parece do tamanho certo. Quem sabe da hierarquia. Sabe que o inseto-animal não vai sobreviver. Dou um tempo. Analiso as probabilidades. Volto ao banheiro. Lá está a barata, bato novamente com a alpercata. Piso com a alpercata. “deve estar morto agora”.

Descarto-o para o lixo.

Se, por acaso me aparecer um aniamal-inseto-animal, com suas patas finas, pelos e dedos. Sua casca dura. Sua pele repugnante e flexível. A passear pelo meu ouvido e eu sentir tal caminhar. Patas sobre minha pele. Vou pegar essa desgraça, imprensá-la com meu polegar opositor. Devorá-lo-ia se não acabasse de me acorda na madrugada. Vou jogá-la pela janela. Mandá-la aos infernos. Nunca mais usar passado e sim pretérito.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

- Me conta uma mentira?
- Conto
- Diz que me ama
- Eu te amo

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Soneto da vívida esperança

* A arte é de Bernini



O sêmem perdido é o abraço do frio
Busca por alguém que preencha um vazio
Ou que ocupe um espaço
Sobretudo que seu sexo seja gostoso e vasto

Memórias fundem-se com imagens de agora
Películas daquilo que deveria ser uma foda
Minimizados ao gosto da verdadeira iguaria
Sal do corpo, ilustre orgia

O que por tudo aflora
Tem gozo atrás e fora da porta
Profundo eu em partilha

Na libido em potencial acredita
Todo ser pode se satisfazer com quem fica
Basta dar-se com vida

terça-feira, 23 de março de 2010

O herói destinava-se a rasgar o céu com sua espada de aço, ergueu-a e alinhou seu rosto para diagonal de si. Mira fixa, caminhou no sentido afora leito. A água era tão espada para si quanto o braço para a espada. Córrego perene, mesmo sem pernas de herói, mesmo sem céu, que pesava o andar, mas garantia o refresco.
O herói suspendia suas pernas com destreza e alívio e pressão e calor e alívio e pressão e calor. Ao fim do primeiro ciclo, primeiro passo já se encontrava cansado. Revigorou forças, olhou novamente aquela imensidão e prosseguiu adiante. Segunda pisada acreditou que o fluxo entre seus braços e suas pernas era desproporcional. A espada não lhe corroia as forças como o atravessar o córrego. O córrego era tão mais suave que o metal, suas extensões aliviavam os calos do herói a toda vez que penetravam e saiam em retaguarda pelas botas do herói.
Sem tirar os olhos do céu ele caminhava. Olhos para a diagonal, seu caminho fazia algo. Uma bela silueta nas águas. Uma bela silueta no vento. A do vento ia à frente, demarcada pelo aço da espada, a do córrego um pouco a frente do que viria atrás. Mas apenas nas águas se tinha a possibilidade de fazer várias. A linha no vento não se aperceberia, bastava que se olhasse para baixo para desenhar diferente a da água.
Mais próximo estava do céu. Isso ele enxergava. Subia algo, mesmo desgastado. O maior sintoma foi quando percebeu a água do córrego nos seus pés. Já não estavam nem na canela. Poderia dirigir-se para qualquer lugar agora. Tinha a idéia do que foi para ter sido, para ter chegado. Seu braço quinqüagenário ainda em riste, já não sentia a curva do ar em movimento. Ouvia-se apenas um ruído como da força do ar passando por um cano oco. Um cano oco em diagonal para a imensidão do azul-cordefinida.
Valeria a pena o próximo passo além córrego? É que havia azul demais na vista do herói. Queria o prata de sua espada, essa seria a cor do céu quando o afligisse com o aço firme. Todo prata deposto o todo azul.
Flexionou os joelhos para o grande salto. Contraiu-se mais, nada que chegaria a um feto. E mais, e quando seria hora? Foi jogado afora leito. Sem pernas, sua espada fincou em algo firme, seria o céu? O leito ainda estava azul-corindefinida.
Só se ouvia o som do vento entrando por dois canos como se fossem pernas. Passando por um tronco, como se fosse o tronco. Regressando de um cano, como se tapado por aço de espada. Saindo de algo como um pescoço. Decrépita madeira se desfez em pedaços.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Gota a Gota


As pedrinhas jogadas no balde fazem a água transbordar e cair na terra seca. A semente já foi jogada. Logo nascerá. Os frutos podres fazem o ar ficar mal cheiroso e afasta tudo que há de bom no entorno do balde. Os urubus rondam o ambiente, atraídos pelo odor. Os galhos fétidos da maldita erva trepam no balde e lhe escondem a luz e o calor do sol. Esfriam a água. Pequenas gotas de chuvas temporárias tentam manter o nível da água. Mas logo novas pedras são jogadas e a erva ganha nova força e novos frutos. Os espinhos duros e enferrujados espetam sem dó. Pequenos furos começam a se desenhar na superfície do balde. A ferrugem deixa o recipiente doente. Novas chuvas até tentam alimentar a erva buscando manter a vida do pobre balde. Em vão. Volta a trabalhar jardineiro. Pega a tua enchada e teu rastelo. Arranca a erva. Tira as pedras de dentro do balde. Deixa as núvens de inverno encherem o balde. Deixa o sol do verão aquecer a água. Deixa as coisas boas voltarem pra perto do balde. Mas se nada disso tiveres coragem de fazer... tira o balde do teu jardim. Não deixa ele se despedaçar. Prefira a saudade aos meros vestígios.


Ted Sampaio