sábado, 19 de junho de 2010

O salto do leão pelo círculo de fogo

Quando eu andava até aquela casa o único alívio era a realidade de não encontrar alguém. A realidade verdadeira, aquela que há todos os dias eu me submetia jamais fora feliz. Labutar não é impossível, na verdade, todos nós precisamos fabricar o nosso sustento.

A casa vazia. Era o grande espetáculo de minha vida. Divertia-me. Dialogava comigo mesmo, o único que me entende. Meus risos eram muito mais que a marca do bispo no tabuleiro. Quero acreditar que fossem risos-risos, sem mais. Quando me tomam sei que são o desprezo a toda sanidade vulgar. Sem maquiavelismo ou anacronismo.

As estruturas daquele lugar me lembravam os dentes abertos do dia-a-dia. A boca escancarada do emprego querendo me engolir fazendo-se degustado. Paredes mofadas e resistentes. Era algo que não me felicitava na minha solidão. O estar só fazia-me tão especial quanto um super-herói. Incômodo eram aquelas paredes, aquele cubículo.

Quando me aproximei de sua entrada meus passos seguiam leve. O trabalho pesava as minhas patas de animal que sonhava em voar. Um calor intenso, formas sem roupas, o olhar para mente se bipartia entre dentro e o dentro.

Não teve como não perceber aquele animal-inseto ali, no meio da sala. Passei ao meu quarto e ele correu para debaixo do fogão. Não estava preparado a enfrentar mais uma briga além das convencionadas.

-Chega! Deixe-me acá.

Quem disse que eu cheguei aqui primeiro? O injusto capeão era rígido quanto a essas formas de vida. O certo deveria ser feito. Minha cama quebrada soltou uma haste: não formulei pensamento algum: era esse o meu artifício. Quais eram as alegrias daquele ser em conviver comigo? Mais uma vez pintaria seu rosto. Daria-lhe ração. Pequenos pets-shop erguer-se-iam para seu tratamento delicado. No final, não bastaria sermos.

Não poderia apenas tange-lo? Não. Minha supremacia não era matemática. Nada disso eu sabia. Coloquei um banco plástico tão firme quanto minha crença na humanidade no centro da sala. A qualquer momento ele quebraria.

No centro. Todos os embates são nos centros. Esse espaço-comum de mim que eu fujo, rebusco, sai do ponto de cruzamento das linhas. Estava com a hombridade justificada. Subi no banco de plástico e me mantive acima assim como a raça prediz. Quando este animal-inseto apareceu não olhei bem os seus detalhes. Dei a primeira paulada. Deveria ser a única. Mas ele se moveu, se manteve resistente. Desci do banco de plástico, pois deveríamos estar de igual pra igual. Homem a inseto-animal.

Segunda paulada: posso vê-lo quase imóvel. Ainda há a possibilidade de estar com vida. Outra paulada. Dessa vez pra ver os miolos esbagaçarem. Vejo seus detalhes. Ali, naquela cozinha incomoda percebo seus detalhes. Cozinha-laboratorio-ensino-médio-norte-americano. Não tão fundo ou raso, fiz o necessário. A preta velha da porta havia falado: se não matar volta. E isso também pesa meus passos.

Naquele instante tão inconsciente, eu era o subordinado ao animal-inseto. Parece-me que ele voltaria se eu o mandasse para fora com uma bassoura ou com uma carta-oficio. Era um animal-inseto. Eu, um animal com telencefalo altamente desenvolvido e polegar opositor. Como me acomodaria agora? O emprego fora cansativo. A noção de exploração humilhante. Como descansar minha cabeça no trabesseiro?

Aparecia o inseto-animal anti-radioativo. Esse, sempre foi guichê o homem o desfazer de sua existência. Da prerrogativa de sua existência. Subitamente ele não se confunde com o boxe de meu banheiro. Eu sei de suas pernas finas, seu tamanho é fora do comum. Mas ele ainda é um inseto-animal. Uma barata. Não sei se o permito à vida. Melhor não. A borboleta preta entrou pela janela, ele entrou pelo ralo do banheiro, ainda assim estão em propriedade privada.

A sandália mais grossa é o instrumento de minhas pauletadas. Abro o boxer, sem medo. Sei o que um homem deve fazer. Não há raciocínio. Não há o que pensar. Bato com força. Com a força dos meus ancestrais. Sou um búfalo. Um perigoso bicho. O inseto-animal ainda escapa vivo. Considero, pelo meu saber cientifico que isso é atributo de sua casca dura.

Quem me ensinou a ficar nos primeiros passos. A engatinhar sempre. Hoje, se faz presente na risada que se diverte as minhas custas da preta velha, na minha capacidade multifuncional no trabalho, ele é o sapato mais pesado que eu uso e me parece do tamanho certo. Quem sabe da hierarquia. Sabe que o inseto-animal não vai sobreviver. Dou um tempo. Analiso as probabilidades. Volto ao banheiro. Lá está a barata, bato novamente com a alpercata. Piso com a alpercata. “deve estar morto agora”.

Descarto-o para o lixo.

Se, por acaso me aparecer um aniamal-inseto-animal, com suas patas finas, pelos e dedos. Sua casca dura. Sua pele repugnante e flexível. A passear pelo meu ouvido e eu sentir tal caminhar. Patas sobre minha pele. Vou pegar essa desgraça, imprensá-la com meu polegar opositor. Devorá-lo-ia se não acabasse de me acorda na madrugada. Vou jogá-la pela janela. Mandá-la aos infernos. Nunca mais usar passado e sim pretérito.

2 comentários:

O Grafomaníaco disse...

eu acho q você precisa de um dedetizador...

Calila das Mercês disse...

Menino...
Como está... lembra de mim, né?
Adorei vir aqui em seu blog, e que história hein?

Ei, quando puder, segue lá o cafezinho.

www.cafezinhododia.blogspot.com



=)

Beijos e saudades