sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Primeira aula


O cheiro de desinfetante de eucalipto quando chega na boca tem gosto de esmalte. E o colégio estava com gosto de esmalte. Procurei a sala de aula e notei os corredores vazios e o brilho dos azulejos. Era uma ficção científica? Estávamos em algum internato? Na verdade eu procurei o barulho, a correria, as pessoas em seus mais diversos grupos e não achei.

“O que está acontecendo aqui?”, perguntei. O eco que descia a rampa me respondeu “Ah, você não sabe não? O MEC veio visitar a escola e tá tudo arrumado da noite pro dia.”. “E o que vocês estão fazendo com esse cartaz?”, segui o rastro do furor nos olhos da menina que me respondia: eles estão no auditório agora. Vamos falar como são as coisas por aqui. Eu tinha chegado às 8h.

“A gente quer pegar o microfone pra falar que hoje é o dia da mentira municipal”, começou outra colega. “O dia da mentira. Por que, vocês pensam que esse colégio é sempre assim?”. Enquanto ela relatava os banheiros sujos e trancados, os corredores mais sujos ainda eu via os rostos das pessoas espalhadas nas manhãs até as 7.15h. No meio de papéis pelo chão, murais soltos, os banheiros trancados, bebedouros enferrujados. Era uma denúncia.  E o que eu fazia no meio daquilo tudo? Eu estava sendo denunciado também.

Fiquei acuado com meu rabo preso na primeira fila.

As meninas saíram pra conversar com a supervisora, mas eu estava com os olhos escondidos. Acuado. Quando a diretora pegou o microfone foi como se a sinaleira de incêndio disparasse dentro dos meus ouvidos. Corre para chamar as bombeiras. Todas elas estavam em reunião. Fui em direção ao foco do incêndio, no mento da fala “eles estão sendo impulsionados por outras pessoas da administração”.  Não sabia de quem ela estava falando. Ela estava falando de mim. O que ela disse, entrou nos meus ouvidos como “não acredite nas crianças, elas não sabem o que dizem”.

Ateou fogo em mim.

Cheguei até o auditório sem saber o que fazer. Eu precisava estar lá. Alguém precisava manter nossa presença no auditório. O auditório: um bosque de cadeiras azuis com cinco ou seis gatos pingados. E eu, um rato pegando fogo com o rabo preso.

- A professora diz que somos influenciados por alguém, por que, para ela os estudantes não são capazes de pensar sozinhos. Minhas colegas vieram aqui falar da hipocrisia em nossa escola. Mas, como melhorar o ensino se a diretora não aceita que estudantes possam pensar por si próprios?

No exato momento as palavras enchiam minha boca. A diretora virou uma ilha, sua carta de demissão viria uma semana depois. E nós mantivemos o prédio em chamas.   

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